Procurador-geral de Justiça de SP diz que asfixia financeira ao crime organizado avançou e pode ter provocado retaliações
24/10/2025
(Foto: Reprodução) Procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, em entrevista à GloboNews
Reprodução/GloboNews
A estratégia de sufocar financeiramente o crime organizado nos últimos anos representou um avanço no enfrentamento às facções e pode ter provocado reações e retaliações. A avaliação é do procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, em entrevista à GloboNews sobre as investigações relacionadas às ameaças e aos ataques contra autoridades no estado.
Segundo ele, a forma como o Ministério Público e as forças de segurança passaram a atuar, com foco em interromper fluxos financeiros e atingir estruturas econômicas, “subiu um degrau” na repressão, indo além das prisões.
“A partir daí sobe um degrau na abordagem do crime organizado e, de fato, isso de certa forma vem incomodando o crime. São ações de milhões [de reais] recuperados, veículos apreendidos. Ontem [quinta-feira,23] em Araçatuba, 20 aeronaves foram apreendidas em razão do crime organizado. É preciso que se tenha uma legislação mais firme, que venha dar conta disso.”
Paulo Sérgio afirmou também que o Brasil vive um momento semelhante ao enfrentado por outros países no passado, e o caminho para superá-lo passa por ajustes legais mais rigorosos.
“Hoje nós vimos mais uma face, horrorosa, da criminalidade do Brasil onde há uma demonstração muito veemente de criminosos estavam se preparando, através de planilhamento de rotinas, acompanhamento, de uma série de ações, em relação a autoridades, doutor Lincoln [Gakiya, promotor de Justiça] e também ao Roberto Medina [coordenador de presídios de SP]", disse.
E emendou: "Isso mostra que o Brasil tem muito que mostrar em termos de enfrentamento à criminalidade organizada. O Brasil vive o que muitos países já viveram, e esses países saíram desse momento a partir do instante que entenderam que a abordagem do sistema de Justiça, do sistema de segurança pública, e os instrumentos legais deveriam ser de uma maneira mais rigorosa".
LEIA TAMBÉM:
Promotor jurado de morte pelo PCC diz que, se precisar sair do país após se aposentar, será a 'falência do estado'
Levantamento do PCC sobre rotina de promotor e chefe de presídios coincide com presença de carro suspeito na morte de ex-delegado
Vídeo de caminho casa-trabalho, moto, campana: como membros do PCC monitoraram rotina de diretor de presídio jurado de morte
Ele destacou que autoridades sob ameaça precisam de proteção contínua, inclusive após a aposentadoria.
“Hoje autoridades, como o doutor Lincoln, recebem escolta a partir de análises de inteligência que verificam se há, de fato, razão para essa escolta. No caso dele, infelizmente, há mais de década vem sofrendo ameaças, ameaça irreversível por parte do PCC. O que defendemos, e o doutor Lincoln defende há muito tempo, é que o Brasil instrua uma legislação que permita que às autoridades, como a do doutor Medina, doutor Ruy, Lincoln, seja garantida essa estrutura de proteção, não só na ativa, mas na aposentadoria, quando ficam vulneráveis.”
O procurador-geral lembrou que, desde que assumiu o cargo, em abril do ano passado, o trabalho conjunto do Gaeco com as polícias Civil e Militar tem priorizado operações para atingir o braço financeiro das facções.
“A prisão é algo importante, a gente tem que prender, mas não pode ser a mais importante. Pode acontecer, no curso do processo existem imunidades, absolvições, questões jurídicas que deveriam ser superadas, mas são consideradas de uma maneira tão elementar que acaba até desestimulando o trabalho das forças policiais. O que tem se buscado ultimamente são operações que procuram identificar o crime organizado nas estruturas formais, na economia, a partir daí na lavagem de dinheiro e interromper esses processos.”
Paulo Sérgio também afirmou que há indícios da participação do PCC na morte do promotor de Justiça aposentado Ruy.
“A gente percebe que houve um movimento diferente dos últimos anos. É evidente que o PCC está presente na trágica morte do doutor Ruy. O que a SSP está investigando é se tem ligação com o fato atual do cargo na prefeitura.”
Vídeo mostra como integrantes do PCC traçaram trajeto percorrido por Medina
Operação
O Ministério Público e a Polícia Civil de São Paulo realizaram na manhã desta sexta-feira (24) uma operação para cumprir 25 mandados de busca e apreensão contra suspeitos de planejarem o assassinato do promotor de Justiça Lincoln Gakiya e do coordenador de presídios Roberto Medina, responsável por unidades prisionais da Região Oeste do estado de São Paulo.
A Justiça determinou ainda a quebra dos sigilos telefônico e telemático dos suspeitos para que os investigadores possam apurar o envolvimento de mais pessoas no esquema. A polícia afirma que a ordem para atacar Gakiya e Medina partiu do PCC.
Os mandados foram distribuídos nas cidades de Presidente Prudente (11), Álvares Machado (6), Martinópolis (2), Pirapozinho (2), Presidente Venceslau (2), Presidente Bernardes (1) e Santo Anastácio (1).
👉 A Polícia Civil diz que, por ora, não vê conexão entre esse plano e o assassinato do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes. No entanto, um detalhe chama a atenção: os bandidos começaram a seguir os passos de Medina e Gakiya em meados de julho, mesma época em que os assassinos do ex-delegado começaram a segui-lo em Praia Grande.
Gakyia é uma referência no combate ao crime organizado e se tornou alvo do PCC devido às investigações sobre a facção que liderou. O promotor sofre ameaças constantes e anda com escolta 24 horas por dia.
A investigação, conduzida pela Seccional de Presidente Prudente, começou em julho, depois que policiais militares prenderam um homem em flagrante por tráfico de drogas.
A análise do celular apreendido com Vitor Hugo da Silva, o VH, revelou a participação dele num plano para matar o coordenador de presídios Roberto Medina. Os investigadores encontraram, por exemplo, um minucioso levantamento sobre a rotina de Medina, com fotos e vídeos que mostram o trajeto percorrido diariamente pelo coordenador de presídios de casa até o trabalho.
Em áudios, os bandidos falam sobre a preocupação de serem filmados nas imediações da casa de Roberto Medina.
Segundo a polícia, o teor das conversas mantidas por Vitor Hugo e a ligação dele com o PCC mostram que partiu da facção a ordem para matar Gakiya e Medina.
Operação mira suspeitos de monitorar a rotina de autoridades
Divulgação
A partir da prisão de VH, os investigadores chegaram até outro suspeito, Wellison Rodrigo Bispo de Almeida, o Corinthinha, também integrante do PCC.
Wellison foi preso no curso das investigações. Embora resida em Martinópolis, ele tinha alugado uma chácara a 53 quilômetros dali, em Presidente Bernardes. Wellison alegou que estava fugindo de um policial, que o ameaçou de morte. Mas os investigadores afirmam que estava ali a mando do PCC para seguir os passos de Roberto Medina.
Os policiais identificaram um terceiro suspeito de envolvimento no plano de atentado contra autoridades. Sérgio Garcia da Silva, o Messi, foi preso no dia 26 de setembro, por tráfico de drogas. Em um celular, encontrado debaixo de um travesseiro, havia conversas que indicavam o envolvimento dele no plano de assassinato de Medina e também do promotor de Justiça Lincoln Gakiya.
Também foram encontrados prints de telas com o trajeto que Gakiya costuma fazer de casa ao trabalho.
As investigações revelaram que os suspeitos tinham alugado uma casa a menos de um quilômetro do condomínio onde o promotor mora. Imagens aéreas mostraram que diversas pessoas se reuniam nesta casa, que servia também como ponto de distribuição de drogas.
Os investigadores suspeitam que os bandidos pretendiam atacar o promotor no caminho que ele costuma fazer para chegar ao trabalho, em Presidente Prudente.
Criminosos alugaram casa próxima à casa de Gakiya
Reprodução
O promotor de Justiça Lincoln Gakiya e do coordenador de presídios Roberto Medina, da Secretaria de Administração Penitenciária.
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo
Investigação mostra que PCC usava loja infantil pra lavar dinheiro